domingo, 23 de outubro de 2011

Cronista..Dicas!

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O escritor João Paulo Cuenca, que por alguns anos viveu como cronista em jornais, hoje retira o sustento sobretudo da venda de seus romances e da produção de roteiros para TV e teatro
Atualizando a discussão sobre o ofício de cronista, o escritor carioca João Paulo Cuenca comenta algu- mas regras básicas da profissão, inclusive os motivos que levam, ainda hoje, autores a se tornar cronistas

As coisas parecem ter acontecido relativamente rápido na vida do escritor João Paulo Cuenca, um dos jovens autores brasileiros que mais se destaca no País. Autor de "O dia Mastroiani" e do roteiro da série de TV global "Afinal, o que querem as mulheres?", também escreve crônicas.

Como ele mesmo diz, escritor nenhum opta por ser cronista. Ela surge e o escolhe. De fato, longe das letras, Cuenca formou-se economista, mas, apesar dos números, sempre teve forte ligação com a literatura. "Sempre escrevi contos, ficções, muito antes do meu primeiro romance", relembra. Aliás, também antes dele já estava produzindo crônicas para o jornal Tribuna da Imprensa (RJ).

No periódico, começou a escrever com apenas 23 anos. Vantagem ou desvantagem começar tão novo? "Bom, a vantagem é que eu não tinha a menor noção de onde eu estava me metendo!", confessa.

Passou um ano na Tribuna e migrou para o Jornal do Brasil. No mesmo ano da publicação de "Corpo Presente", sua obra de estreia, foi convidado à Festa Literária Internacional de Paraty, a principal feira literária do Brasil, e logo estaria frequentando os aeroportos rumo a muitos outros eventos semelhantes, dentro e fora do País.

Propostas
Em seis anos de crônica semanal, tendo passado também pelo O Globo além dos já citados jornais, João Paulo fala com propriedade sobre o ofício do cronista, desmitificando e, porque não dizer, desenferrujando alguns formatos. No blog do escritor e jornalista gaúcho Michel Laub, foi autor de interessantes "Seis propostas para a crônica", algumas das quais debatemos em entrevista.

"O cronista deve fugir do rodapé das notícias, da opinião sobre o assunto da semana". Aí está uma delas. Segundo Cuenca, uma das piores armadilhas em que pode cair um cronista é tornar-se "comentarista de notícias semanais".

Para ele, a crônica, nesse contexto, estabelecerá sempre uma relação paradoxal. "A crônica nasce no jornal e logicamente está relacionada ao tempo, mas concomitantemente ela precisa ser atemporal. A boa crônica é aquela que eu leio daqui a 90 anos e ela ainda vai ser brilhante! Ela foge do objetivo jornalístico, não se sujeitando à regra do jornal, que é informar o que aconteceu no dia anterior". O escritor chega a dizer que alguns cronistas dos jornais brasileiros se parecem mesmo com comentaristas de futebol. "Ficam dando opiniões vazias sobre certos fatos ou apenas polemizando casos já explorados ao extremo", ilustra.

"O cronista olha a cidade como uma criança, olha a cidade como um estrangeiro. O cronista não se acostuma". Mais uma. Para Cuenca, o bom cronista, que consegue inclusive produzir os tais textos atemporais, capazes de arrancar suspiros de satisfação daqui a 90 anos, é aquele que sempre observa a cidade, a paisagem e as pessoas com uma nova perspectiva.

"Se o cronista perde esse olhar diferente, ele passa a adotar o discurso do senso comum e já não terá nada a oferecer. Seu olhar precisa ser de visitante, de primeira vez, de alienígena sempre", defende. O texto, sob essa perspectiva, ainda que parta do que vier à cabeça, exige, sim, certo esforço.

"A crônica dificilmente, ou quase nunca, surge como um objetivo estético do escritor. Ela é feita sob demanda. Nem o maior cronista do Brasil, Rubem Braga, foi assim. Ele era jornalista, cobriu a Segunda Guerra. E esse homem, que também escrevia crônica como trabalho, elevou o gênero a um patamar nunca antes alcançado", esclarece o escritor carioca.

Mercado
No mínimo polêmico, Cuenca defende ainda que a forte tradição do gênero no Brasil tem relação direta com a precariedade do mercado editorial brasileiro. "Os escritores não tinham, e até hoje não têm, muitas oportunidades de lançar seus livros e por isso mesmo buscam nos jornais meios de sobrevivência. A crônica acaba sendo esse espaço", explica. Por isso, mesmo que existam diversos compêndios de crônica em formato de livro, o autor é da opinião de que ainda é impossível falar de crônica sem falar de jornal.

De fato, as dificuldades históricas de conceituar ou classificar a crônica trouxeram consequências sérias ao gênero, em termos de mercado. A Câmara Brasileira do Livro, órgão do setor que reúne dados acerca do panorama editorial do País, não pode precisar como anda o consumo dos compêndios de crônica, já que não há nessas pesquisas uma divisão por gênero, aglutinando-os em uma só categoria: literatura adulta.

A falta de especificidade dificulta a medição de "temperatura" do mercado, mas a expansão da crônica para além do papel jornal parece rebater a opinião de Cuenca. Se as crônicas são escritas como meio de sobrevivência dos escritores, porque estão gratuitamente em blogs e mídias sociais? Pelo visto, a "inspiração", defendida por Lygia Fagundes Teles parece não vir apenas sob demanda, como defende Cuenca.

O próprio autor já não vive mais de crônicas. Ele ganha a vida com a venda de seus romances e as presenças frequentes em feiras e bienais. "Estou estudando o meu retorno aos jornais, mas atualmente vivo de roteiros para teatro e, principalmente, vivo de falar (sobre literatura)", revela.

Interação
"O cronista vive em estado de eterna indiscrição consigo mesmo e com tudo que o cerca". Esta é talvez a mais curiosa das propostas para crônica de João Paulo Cuenca. Ao se adotar o ofício de cronista, o escritor parece assinar com o jornal uma permissão para invasão de privacidade, em termos.

Pergunto-lhe como os leitores reagiam às suas crônicas semanais. "Recebia desde cartas de amor a ameaças de morte! Eram muitas correspondências e eu nunca tive a capacidade de responder metade delas. Se o fizesse, não teria tempo para escrever as crônicas. Acho que isso acontece porque a crônica, em geral, é o cronista. Você se coloca muito ali. E a pessoa que lhe lê por anos, conhece você como ninguém. Eles sabem quando você está feliz, quando está triste. É uma curiosa relação íntima de mão única, já que eu não os conheço", reflete.

Entre os cronistas que ainda compõem os calendários semanais dos jornais brasileiros, indica Antonio Prata, que, segundo o carioca "escreveu clássicos da crônica brasileira e só tem 30 e poucos anos"; Xico Sá, ex-cronista do Diário do Nordeste e hoje afastado do gênero; e Fabrício Corsaletti, poeta que agora escreve crônicas. "Indico estes porque seguem a tradição do lirismo, da construção de personagem, do subjetivismo".

MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER

CRÉDITOS PARA O JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE

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